segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O aborto da inteligencia

O aborto da inteligência
Ao longo de anos, observando um intervalo grande de tempo, a educação vem se desenvolvendo no país. Isso é inegável! Mas, incontestável também, é que a qualidade geral está longe de ser satisfatória - texto de Gabriel Sabino 01/12/2013 - publicado no Portal Administradores.

Ao longo de anos, observando um intervalo grande de tempo, a educação vem se desenvolvendo no país. Isso é inegável! Mas, incontestável também, é que a qualidade geral está longe de ser satisfatória. Muito pelo contrário, não há quem já não tenha ouvido – de pessoas próximas ou de críticos de plantão – que a educação a nível superior, de hoje, é como o ensino médio de anos atrás. Não por difusão ou grau de importância percebida, mas pela qualidade que se tornou cada vez mais duvidosa.
De maneira geral, o professor universitário, por sua vez, se justifica dizendo que o problema vem da base. E a cada ciclo de formandos, progressivamente, o sistema educacional como um todo, joga no mercado de trabalho, profissionais com formação duvidosa. Costumo pensar a situação atribuindo um - nada bonito - nome, a título de simplificação: “aleijamento profissional” – como ação de aleijar, na medida em que o processo não nasce por criação espontânea. Porém - toda via, entretanto -, como o corpo discente não é um corpo fechado, mas também não é completamente independente na sua gestão do conhecimento, assim (por natureza dinâmica) não sendo completo subproduto direto do sistema educacional, há de se pontuar algumas reflexões.
Antes, contextualizar esta percepção de “qualidade questionável” de nossa educação, - não só, mas também no nível superior -, ajudará a desenhar melhor o cenário geral:
Uma pesquisa mais recente que foi bastante difundida, e que ainda lateja na consciência dos que se preocupam com desempenho, aponta dois nomes de universidades brasileiras, ilhados, abaixo do top 225. Fazendo a leitura dos índices de desempenho destas duas – desbravadoras – universidades, dois fatores de avaliação com notas baixas saltam aos olhos: International Outlook eCitations, o que faz sentido, na medida em que pouco da produção acadêmica nacional tem relevância no mundo real.
Vale lembrar que, essas duas instituições ranqueadas figuram o suprassumo da escola superior brasileira, e sem desmerecer certo mérito de pelo menos entrarem na lista, pouco colaborarão - em curto espaço de tempo - para a superação de nossos problemas nacionais nestas condições. Quem almeja ser o país do futuro, deve buscar a excelência no presente.
De uma maneira mais abrangente - e isso significa não se limitar à análise de universidades -, alguns índices em relatórios da ONU, e até importantes pesquisas nacionais, nos ajudam a entender como se dá o comportamento do brasileiro (como um todo; sociedade civil e união, etc.) diante da educação.
Na medida em que levantamentos apontam: 7,2 anos de média na escolarização dos brasileiros, contrapondo com 7,8 anos da América Latina e Caribe, contra 11,2 dos OECD e 13,3 dos Estados Unidos; ou pesquisas que apontam que 52,9% dos brasileiros simplesmente não têm por hábito ler livros, e também que a média de consumo individual é de livros 4,7 livros/ano, e que destes, espontaneamente lê apenas um, e também, que o dinheiro gasto (INVESTIDO!) em livros vem diminuindo – o que esperar para o futuro?
Se este é nosso cenário cultural geral, e as únicas universidades que figuram o ranking internacional apresentam baixo desempenho de resultados, o que esperar do mar de universidades privadas? Bom, nós sabemos o que encontramos nas privadas... – afinal, mais de três quartos dos universitários estudam em instituições privadas. 
Mas há de, como salvaguardo, admitir-se que: assim como infelizmente a “qualidade” de algumas instituições públicas nunca figurou hegemonia - e que de maneira pontual essa qualidade já vem caindo -, felizmente a discrepância com as instituições privadas não é total, embora seja absurda na maioria dos casos, existem instituições privadas com mesmo nível de instituições públicas.
De factual, temos que na última década e meia o acesso ao curso superior triplicou, - um verdadeiro boom! - e há como enumerar vários fatores que colaboraram para este aumento (estabilidade econômica, superação da inflação, etc.) que permitiram a possibilidade de desenvolvimento, e que, fatalmente desembocaram na máxima da percepção geral de que: um diploma de nível superior é diferencial determinante na carreira do indivíduo. Esta percepção de valor que um diploma trás, mais do que fundamenta a oportunidade comercial que se multiplicou sob este cenário e o consequente crescimento maior no sistema de educação privado.
Mas, percebendo minimamente este cenário bastante dinâmico, analisando as pesquisas e dados que mostram resultados de como se dá, culturalmente, historicamente, o convívio do brasileiro com o conhecimento (estudo/escola) – me questiono sempre: nós brasileiros, atualmente, queremos ser profissionais de nível superior, ou queremos diplomas de nível superior?
A mim, esta distinção é bastante clara, a resposta nem tanto; mas, entender que existe esta diferença de mérito, é evidente. Porém, antes de começar a segunda parte deste artigo, trarei um último apontamento:
O ano 2012, como muitos sabem, foi ano de ciclo do ENADE, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes. Tenho meus motivos para duvidar se o resultado agradou muita gente, e fiquei atônito por não ter indignado ninguém.
Um parêntese, pertinente, que ajuda na análise do quadro: Há, além do próprio site do INEP (ENADE), outro portal interessante com resultados e informações sobre as instituições, que, eu não perderia a oportunidade de linkar aqui: emec.mec.gov.br.
Voltando ao ENADE 2012! Mais especificamente aos resultados dos concluintes do curso de Administração. Através do próprio portal do INEP, tive acesso a um boletim individual: quase caí da cadeira!
Quadro comparativo - resultado Enade ADM 2012
Na comparação com os números totais do curso que me veio o susto:
·  A média nacional amargou o valor vergonhoso de 34,6;
·  75% dos participantes tiveram nota inferior a 43,2;
·  50% dos participantes tiveram nota inferior a 33,0;
·  25% dos participantes tiveram nota inferior a 24,7.
Em resultados totais - com todas as instituições e cursos avaliados -, as proporções, na escala de nota que vai de um até cinco, ficaram:
1.  – 2,7% das instituições – resultado insatisfatório;
2.  – 27,3% das instituições – resultado insatisfatório;
3.  – 43,9% das instituições – resultado regular;
4.  – 19,0% das instituições – resultado bom;
5.  – 5,4% das instituições – resultado máximo;
6. – 1,8% ficaram sem nota.
Nos resultados gerais o susto é menor, sem sombra de dúvidas. Mas nem por isso mil maravilhas! De cada três alunos concluintes em 2012, um tem desempenho insatisfatório. É praticamente como apontar que um terço dos profissionais, segundo este resultado, é incompetente.
Mas, - e agora vem um absurdo justificando outro absurdo - há quem diga que o desempenho baixo de alguns estudantes no ENADE vem do fato de que a prova não tem peso direto em seus currículos e que o resultado não é determinante para a conclusão do curso. Alguns então, no alto de seu descompromisso, assinalam o nome, cumprem o tempo mínimo regulamentar e simplesmente deixam a sala.
Vale lembrar que esta nota do ENADE é somada a outros fatores e determina a nota final do curso e da instituição junto ao MEC, sendo possível até que a instituição (e/ou curso) seja(m) descredenciada(o/os). Mas talvez o MEC tenha uma fórmula mágica que releve o baixo desempenho e determine bem o grau de alunos descompromissados, ou ainda, simplesmente não é “politicamente viável” descredenciar um terço das universidades brasileiras com desempenhos insatisfatórios. Talvez ainda, ninguém se importe.
Na minha concepção, existe algo de muito errado nestes resultados. Uma instituição legalmente credenciada, livre da dolorosa progressão continuada que assola o sistema público de base, que paulatinamente aprova o aluno até o ultimo período, participando assim como concluinte no exame do ENADE, e que tira notas insatisfatórias – somando com outras instituições expressivos 30% do total; algo só pode ter se perdido nesse caminho, ou talvez este algo nunca tenha existido...
Bom, - até mesmo porque o objetivo deste artigo não é determinar a educação pelo “é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho” - voltamos ao assunto do segundo parágrafo: se o problema vem da base, ele é perpetuado no nível superior. 
Assim caminha a educação e a formação profissional no país. Longe do histerismo de condenar por má qualidade a totalidade das instituições educacionais nacionais de todos os níveis; e, longe de admitir só o “Governo” como detentor de todos os deméritos - na contramão do que muitos já fazem, única e exclusivamente para ‘jogar com e para a plateia’; mas, admitindo como fator mais determinante, a nossa própria cultura quanto povo, gostaria de dissertar um pouco sobre como a nossa “jeitinhologia” – grande parte das vezes muito macunaímica para quem quer ser um profissional competente, ou o país do futuro - influi e colabora para estes resultados pouco promissores.
A busca pelo conhecimento - seja lá de que ordem for - é um processo basicamente autônomo, essencialmente individual. É lógico que não se consegue muito neste mundo sozinho! Mas, por mais que engenheiros sociais possam dizer o contrário, a busca pelo desenvolvimento intelectual pessoal não é um processo que pode ser facilmente condicionado, no maior estilo input-output. Não somos subprodutos de um sistema educacional, nossa responsabilidade no processo de gestão do próprio conhecimento não pode ser transferida para uma instituição ou órgão regulamentador. 
A deturpação desta lógica tem aplicações claras: culturalmente (de maneira geral) já pouco envolvido em praticas que edificam o conhecimento - inserido em um ambiente parcialmente hostil ao trabalho duro na formação pessoal, vivendo em tempos de constantes oportunidades de crescimento (partindo de 1995), mas que é perigosamente complacente a baixos resultados - um povo, nestas condições, sente-se completamente confortável em investir o mínimo necessário para que tenha os títulos que indiquem conhecimento.
Investimento mínimo que não se limita a dinheiro, boa parte da população nem goza de o suficiente para o sustento básico. Mas, boa parte dos que gozam do conforto, simplesmente financiam títulos; diploma pelo diploma. Assim: a quem tem como horizonte de perspectiva de vida, um emprego local de nível básico, uma vida simples e honesta – o esforço mínimo básico já cumpre com as expectativas; a quem tem como horizonte de perspectiva de vida, um emprego de formação profissional, com fim de manter uma vida razoável e digna – o esforço mínimo, mais a ajuda de alguns amigos, garante a meta.
Brincando com Maquiavel: é a clara e pura banalização do fim, como objetivo; e a abdicação do meio, como importância. É entender, a formação escolar, como objeto inanimado à simples caráter de “título a conquistar” e não um processo de edificação e crescimento.
Na formação de base, como o fim é passar de ano e concluir o curso, sacrificamos o que for possível no meio: a proposta é fazer uma pesquisa para o fim do bimestre, então abusamos Wikipédia eYahoo Respostas no último dia do prazo – se o professor for exigente, excluímos o subscrito do Copy & Paste ou citamos as fontes de “pesquisa”. Há uma proposta de discussão de uma obra de Machado de Assis programada para o final do semestre, estrategicamente posicionada visando ajudar no vestibular, então buscamos o resumo do resumo na internet nos últimos dias, e, se necessário for, provaremos que estamos certos e que o pobre Machado está errado no seu próprio conto.
Na formação superior, como o fim é concluir os períodos e garantir o diploma no final, nós sacrificamos o que for possível no meio: em trabalhos basicamente organizados em grupo, nós passamos dias fazendo reuniões com o fim de escolher quem será o encarregado de copiarpesquisar da internet e quem será o encarregado de gastar tinta da própria impressora – em modelos mais socialistas de produção, o dinheiro da impressão é, então, rateado. Quando, no final do período, as notas estão mais vermelhas que a roupa do Papai Noel, e poucos pontos “caídos do céu” já resolveriam nossos problemas, damos inicio ao processo de mendigar 0,5 junto aos – agora lindos e amados – professores. Quando o professor é irredutível, ou simplesmente que 0,5 não resolvem a situação do cara pálida, proclamamos a posteriori orgulhosamente: “fiquei só por 0,5” - normalmente esta fala é somada de alguns adjetivos ao professor -, esquecendo que os pontos disputados ao longo do período foram DEZ, e que a busca por 0,5 faltantes é a busca por não estar abaixo do MÍNIMO tolerável.
Estudantes universitários parecem estudar mais que os de nível médio, mas à boa parte, os slides resumidos pelos professores já bastam, e serão lidos sempre, às vésperas das provas finais.
Ainda sobre a formação superior, outros males resultantes deste descompromisso com a educação costumam assolar grande parte dos estudantes: ao final do curso, na aventura que muitas vezes é o trabalho de conclusão, muito do tempo precioso se perde na tecnicidade de pesquisa – é de se pasmar, ao observar quantos tropeços são dados até no simples ato de produzir no formato ABNT, quantas sessões de consulta ao orientador muitas vezes se tornam pouco produtivas por esta deficiência mínima e primária. Não é por menos que não somos citados e não temos renome - internacionalmente - na proporção que seria minimamente tolerável ao número grande, e cada vez mais crescente, de instituições de ensino superior. Nós sacrificamos tudo o quanto pudemos desde período de matrícula no primeiro jardim até o ultimo dia da faculdade.
Muitos dos trabalhos de conclusão de curso têm menos referências externas que até mesmo este pobre artigo, escrito em pouco mais que algumas longas horas, e que serão (fatalmente) ignoradas. Isso quando os trabalhos finais não são escritos, fundamentados e explicados, sobre (do alto do descompromisso com o crescimento intelectual) o prisma do “tirei de minha própria cabeça”.
Não que sejamos incapazes de produzir com as nossas próprias cabeças mesmo sem ter tanta bagagem - embora sejamos pouco citados no mundo afora -, mas, a caráter de exemplo: em capítulo intitulado “fundamentação teórica” em uma monografia, não há este espaço para criação irresponsável.
Para finalizar estas percepções - gerais - acerca do ensino, trago um ultimo e cabal exemplo (extremo) de abdicação da responsabilidade com o conhecimento próprio: alguns, quando não recorrem a amigos ou conhecidos a fim de comprar o trabalho de conclusão de curso, podem recorrer à internet em busca de trabalhos prontos, sem nem pouco se preocupar com direitos autorais. Algumas vezes, chega ao absurdo moral e intelectual de, muito do trabalho do orientador do TCC, acabar sendo transformado em o de garantir com que o aluno não seja reprovado - ou processado - por plágio.
O Brasil cresceu bastante na educação nos últimos anos, em quantidade.
Embora números mostrem que geralmente a renda acompanha os hábitos de estudo: qualquer argumento que, pelo meu ponto de vista, aponte dificuldades financeiras como o fator mais determinante, tropeça no desfavorecido que venceu na vida e cai no favorecido que comprou o diploma. É mais que isso! 
O quadro total é tão extenso, as variáveis são muitas vezes difíceis de pontuar, e o processo é tão dinâmico, que, atribuir uma gênese a tudo isso ou apontar uma culpa, é complexo. Mas, eu penso que, levando em conta o quanto determinante é a vontade pessoal na busca pelo conhecimento e o quanto as pesquisas mostram que culturalmente há um descompromisso assustador nesta busca, o mais próximo que podemos chegar a ponto de apontar o dedo indicando uma culpa é para próximos de nós mesmos.
Isso não é aliviar a culpa das instituições e reguladoras, é transcender esta culpa. É, além de olhar para o professor, para a escola e para o Estado, perceber o aluno também. É tentar entender como o nosso jeito de estudar, como nossos padrões de comportamento, acabam influenciando no resultado final. 
Hoje, no país, vivemos um quadro crônico em que a educação é apontada como a única saída, mas que está contaminada, como a maioria das outras coisas, e, por um mesmo mal. Mal que é hostil ao esforço e sem compromisso com o trabalho sério, no cenário onde só o esforço e o trabalho sério podem resolver os problemas. Constantemente ouvimos – quando não, nós mesmos quem dizemos – exclamações do tipo: “É só no Brasil mesmo!”, mas eventualmente nos corrompemos quando temos a oportunidade.
É a supremacia do parecer, pelo ser; do conseguir, pelo conquistar. O mercado pede um diploma, conseguimos um; a vida nos exige uma postura séria, nós aprendemos a encenar. É o caminho torpe, a estrada fácil, o jeitinho. Aos poucos, nesta lógica viciada, colecionando títulos ou não, tudo fica parecendo falso, o compromisso com a verdade e o compromisso com o próprio conhecimento são relativizados, e, com a anuência de todos ou não, vamos todos abortando a inteligência e eternizando nossa condição de país do futuro.

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